(onde nos aquecemos numa noite gelada)
Ontem,
acabei de traduzir já passava das 2h da manhã e ia arrastar-me até à cama. O
meu amor não está. Ninguém me obrigou a fazer a pausa habitual para ver uma
série, antes de dormir. Detesto desligar o computador e ir directamente para
cima, com as palavras a trotar-me na cabeça. Vêm-me sempre à memória expressões
melhores do que as utilizadas (nisto, a tradução e legendagem é preferível, não
há cá margem para grandes reflexões). E, depois, não há meio de adormecer… ou,
se adormeço, caio num sono cansado de palavras intrometidas.
Olhei
uma última vez para a fotografia que tenho no ambiente de trabalho, antes de desligar
o computador. É um daqueles tesourinhos que o Facebook recordou, no outro dia.
O Diogo mascarado de Harry Potter e, o Vasco, de canguru. Minúsculos. Há uma vida
atrás. Nisto reparei no PDF que a Melissa me enviou. Descarreguei-o porque
queria lê-lo, mal tivesse um bocadinho. Talvez pudesse ler só as primeiras
páginas do guião, para chamar o sono descansado (o sono cansado, já eu tinha).
Tinha
contado ao meu amor que a minha amiga Melissa ficou em segundo lugar, no
concurso “Guiões 2016”. Mostrei-lhe a fotografia, orgulhosa. Não porque a
Melissa tivesse ganho um prémio ou estivesse muito bonita, em cima daquele
palco. (Estava lindíssima!) Mas porque brilhava. A Mel tem andado a combater
alguns fantasmas interiores e o resultado está à vista. (Já disse que estava
linda?). Lembrei-me da canção do Jorge Palma:
Sentei
à minha mesa
os
meus demónios interiores
falei-lhes
com franqueza
dos
meus piores temores
(…)
E
no fim, já bem bebidos
demos
abraços fraternos
saíram
de mansinho
aos
primeiros alvores
de
copos bem erguidos
brindámos
aos infernos
fizeram-se
ao caminho
sem
mágoas nem rancores
Quando
lhe contei que tinha pedido à Melissa para me enviar o guião, o meu amor
perguntou-me se não tinha medo de não gostar do trabalho. E, depois, o que lhe
diria? Nunca tal me passou pela cabeça. Ainda bem. Uma página deu lugar a
outra. E a mais outra. Umas quantas... Apeteceu-me um café, fui fazer um chá.
Continuei a leitura, desbravando caminho pela história, página após página. Fiquei
presa até ao fim, madrugada adentro. Dizem que foi a noite mais fria deste
Janeiro gélido. Estavam -15ºC lá fora. Perfeito para ler “A Aldeia e o Inverno”.
Escrever bem em poucas páginas, não é para qualquer um. A criação de mundos, no
sentido literário do termo, exige tempo e espaço ficcionais. A Mel conseguiu
edificar e destruir um mundo em menos de cem páginas. E isto é uma façanha que
não está mesmo ao alcance de qualquer um.
Gostei
tanto, tanto, tanto! Gostei dos saltos temporais, que se vão estratificando. Gostei
do huis clos espacial claustrofóbico, que se vai tornando cada vez mais fechado.
A par com a mentalidade alucinada da aldeia. Gostei muito do regionalismo, o
real e o imaginado. A lenda que toma forma. Gostei da construção em crescendo
das diferentes personagens. Gostei da ausência de adjuvantes. Da entidade
colectiva das crianças que funciona como coro grego. E da intriga que se adensa.
O nervoso miudinho vai-se instalando, à medida que o desfecho trágico se começa
a desenhar. Gostei especialmente de me sentir enganada. Porque o nosso primeiro
instinto é unirmo-nos à personagem principal contra a crendice bacoca. Mariana é
pragmática: nunca tenta perceber o porquê das coisas, apenas quer resolvê-las
para ter trabalho e continuar a viver na aldeia. No fim, percebemos que sim…
que havia mesmo algo surreal como pano de fundo, que nos escapou. Mas pergunto-me
se não será sempre assim, na vida real.
Mando então daqui recado à Melissa: Ei, também quero.
ResponderEliminarOra essa, por quem sois! Pede, pede... vale mesmo a pena! :)
EliminarAi, que se me coro. Que bom que gostaste dos meus demónios ali exorcizados!
ResponderEliminarGostei muito!!!
EliminarE eu também quero ler-te!
ResponderEliminarE eu também te quero ler...
ResponderEliminar:D
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