(porque algo se quebra,
quando ultrapassamos limites que achávamos intransponíveis)
Há
sempre um dia… Um dia, não. Com os tradutores acontece tudo à noite… excepto as
avarias súbitas e inexplicáveis dos computadores, que acontecem sempre de dia.
Invariavelmente quinze minutos antes do prazo limite para entregar um trabalho.
Que até estava terminado e poderia perfeitamente ter sido entregue a horas. Por
uma vez. Fora essa pequena ressalva, tudo o resto na vida de um tradutor sucede
na calada da noite.
Bom,
voltando ao início desta história. Estava a dizer que, uma bela noite, somos
obrigados a render-nos. Tendo perfeita noção de que se trata efectivamente de
uma capitulação. Com tudo o que isso tem de humilhante. De derrota. Anos a fio
a dar a volta ao texto. Orgulhosíssima do meu feito. Mas, esta noite, foi
impossível. O último bastião caiu. Acredito que, quando um tradutor escreve
“para” querendo dizer “pára”, há uma linha que se quebra. Algo errado acontece.
Só pode.
O
Monstrego fica desorientado, sem saber qual das duas moradas escolher. Definitivamente,
dói a lua e soluça o mar. O onzeneiro entra na barca errada. No canal, o mau
tempo dá origem a uma terrível tempestade. A passarola despenha-se. Nunca mais
ninguém vê o semeador que saiu a semear. Porque os bichos deixam de cavar o
chão. E a Salta-Pocinhas já não consegue apanhar galinhas. A Joaninha topa logo
que o Carlos é um pinga-amores. As flores de verde pinho nunca darão novas do
amigo. Semicúpio zanga-se com Sevadilha. As coisas complicam-se no bairro. Até o Reverendo Bonifácio se assanha. E os
lençóis da mãezinha ficam puídos. Conspurcados, já estavam. Aceitamos por fim as
sete espadas no sem-fim pousadas. A voz que lê dentro de mim cala-se para
sempre. Morre a geração do Dantas e todas as outras. Pim!
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