quinta-feira, 8 de maio de 2014

E depois das agulhas, sessões de pancada

(onde se apresenta um homem que faz jus ao nome)


A primeira vez que decidi tomar uma atitude em relação às minhas dores nos ombros, marquei uma massagem desportiva num clube qualquer em Lisboa, que desencantei nas páginas amarelas. Expliquei que a lesão se devia a uma queda a cavalo e que, como continuava na equitação, me parecia a solução mais acertada. No dia combinado, fui conduzida a um consultório. Um senhor de bata branca fez-me várias perguntas, enquanto tirava notas. Achei aquilo tudo muito profissional. Em seguida, mandou-me tirar a camisola e deitar-me de barriga para baixo na marquesa. Mas, depois, andou para ali séculos a tatear-me as costas e não havia meio de começar as tão ansiadas massagens. Espreitei discretamente pelo canto do olho para tentar perceber o que se passava... E ia morrendo de susto! Até onde a minha vista alcançava, tinha as costas cheias de agulhas enormes. Eu, que sempre tive pavor a agulhas. Tentei levantar-me e perguntei aos gritos que raio era aquilo. Com muita calma e mãos de ferro, o homem lá me explicou que não me podia mexer porque estava quase a acabar de pôr as agulhas da acupuntura. Acupuntura?! Eu só queria massagens! Mas não. A menina da recepção achou que o mais adequado para o meu caso era a acupuntura. E parece que tinha razão. Eis-me assim iniciada nas artes mágicas das agulhas. Porque a verdade é que aquilo não doía nada e fazia mesmo efeito. Durante anos, volta e meia, lá fazia umas sessões de acupuntura que me deixavam como nova.

Nesta última crise, o meu médico achou que isto já não ia lá com umas simples agulhas e que eu precisava mesmo era de fisioterapia de choque. No mínimo, dezoito sessões com o Dr. Sauvage. O osteopata e fisioterapeuta mais conhecido aqui do burgo. Adorado pelas minhas vizinhas. Idolatrado pela população de Malempré acima dos 80 anos. Lá fui eu, então, ao Dr. Sauvage. A pensar que me esperava uma espécie de ginástica levezinha para velhotes. Quando lá cheguei, achei a marquesa um bocadinho estranha. Tipo hardcore… toda sofisticada, em couro, com umas correntes para prender os pés. Mas, pronto, era só uma marquesa, certo? Errado. Depressa percebi que era um local de tortura atroz. E que o diabo do homem faz jus ao nome que tem: Selvagem. Dr. Selvagem. Durante quase 45 minutos, puxou-me a cabeça como se me quisesse fazer crescer uns centímetros, apertou-me o pescoço, desfez-me as articulações dos ombros, tentou arrancar-me os braços do corpo… Eu só pensava que não ia sair dali viva. Perguntou-me se além dos ombros não me doía também o pescoço e a nuca… Não, antes de ele me pôr as mãos em cima, só me doíam mesmo os ombros. Quando acabou, esse era o menor dos meus males. Doía-me tudo. Até partes do meu corpo cuja existência eu desconhecia.

Na segunda sessão, entrei a medo. Muito medo. Levei o meu amor como motorista, com indicações para trasladar o corpo para a pátria-mãe caso eu não sobrevivesse. Mas o Dr. Sauvage avisou que desta vez ia ser mais meigo. Suspirei de alívio. Mandou-me deitar de barriga para baixo na marquesa e pôr os braços nuns apoios especiais. O problema é que as distâncias devem estar parametrizadas para belgas gigantes e, para eu ficar na posição correcta, tive de me esticar toda. Depois, despejou-me um gel gelado nas costas e espetou-me umas ventosas nos ombros. Disse que era apenas uma “corrente anti-dor”… Anti-dor, o caraças! Aquela porcaria ia aumentando de intensidade até me dar uma espécie de choques que faziam com que os meus músculos ganhassem vida própria. Juro que a corrente chegava até ao rabo. E largou-me ali uns bons 20 minutos, debaixo de uma lâmpada que me esturricava o corpo todo. Quando acabou aquela tortura, começou a fazer-me massagens. Pensei que finalmente, muitos anos depois, ia ter as tão desejadas massagens. Qual, quê… Volta e meia, zás! Dava-me umas pancadas, tipo karateca a partir uma pilha de tijolos. E, no fim, já comigo meia-morta, voltou aos exercícios iniciais. Puxa cabeça, estica braços, aperta o pescoço, parte ombros…

Sai dali completamente exausta. Como se tivesse levado uma sova na calada da noite, num beco sombrio. Quando me viu, o meu amor levantou-se muito depressa para me amparar. Parece que eu estava branca como a cal. Já no carro, confessou-me que achou que o Dr. Sauvage tinha cara de sádico. Eu concordo. Ainda não percebi por que raio de motivo toda a gente fala dele com tal adoração. Se eu tivesse que pagar os quase 800 euros que este tratamento vai custar, acho que o matava. Assim, o melhor que tenho a fazer é ir aprendendo a rezar para ver se consigo sobreviver às dezasseis sessões que ainda me faltam fazer…

4 comentários:

  1. Ahahahahahah fartei-me de rir! Tens o dom da escrita, pá :)
    Bjs!

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  2. Sei que não devia, mas arrancaste-me umas valentes gargalhadas :D
    Adoro quando a realidade supera a ficção. E espero que essa violência toda te faça bem, no final.

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  3. Eu passo periodicamente pelas mesmíssimas torturas e, apesar de inicialmente doer pra chuchu, acredita que vais ficar como nova durante alguns tempos! As ventosas deixam-me com as costas super fashion, toda às bolas, mas aquela ceninha da corrente eléctrica é maravilhosa!
    Não vais perecer, vais ficar ótima, palavra de Aninhas!
    :)

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  4. Este texto está excelente.
    Mas até pode ser que os maus tratos do Dr. Sauvage dêem bons frutos (a acreditar na vizinhança).
    Preocupam-me mais os maus tratos psicológicos de outros selvagens que nem se chamam Sauvage, digam-se eles pais ou psicólogos.
    E fazem-me confusão as mães que, depois de maus tratos psicológicos continuados, ainda admitam que possam ser possíveis "acordos com selvagens", bem como os familiares que não percebem - ou não querem perceber...

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