(porque
a neve também tem coisas muito boas)
Infelizmente,
o meu filho Vasco herdou a minha péssima relação com o tempo. Como pareço tê-la
herdado da minha tia, a culpa não será inteiramente minha. É mal de família. Aliás,
a definição científica de ‘mal de família’ é mesmo essa: problema que corre no
sangue de, pelo menos, três gerações. Confirma-se.
Ora
esta manhã foi um daqueles dias em que o Vasco perdeu completamente a noção do
tempo. Segundo ele, porque tem noção de que não tem noção do tempo. Eu explico.
Quando foi lavar os dentes, decidiu que era melhor pôr a ampulheta para garantir
que respeitava o tempo de escovagem definido pela instância materna. O problema
é que a ampulheta estava há semanas desaparecida em parte incerta. A parte
incerta em questão consiste num buraco negro, entre o lavatório e a parede,
onde tudo o que cai, nunca mais aparece. E vai de começar a procurá-la. Quinze
minutos antes do toque. Quando ainda nem sequer estava vestido. Quando dei por
ele, já tinha conseguido sacar a dita ampulheta, um creme das mãos e a
embalagem do fio dental. E sabe Deus que mais não teria conseguido calmamente apanhar,
não fosse o grito que lhe dei. Fui pôr o lanche na mochila e, quando voltei, lá
estava ele, ainda de pijama, com a escova numa mão e a ampulheta na outra a
lavar esforçadamente os dentes. Aparentemente, as regras da instância materna
não podem ser quebradas por motivos de força maior, nem sequer pela própria.
Como
as estradas estavam caóticas, porque desde ontem não pára de nevar, achei
melhor enviar uma mensagem ao meu chefe a dizer que ia chegar atrasada. Obviamente
fiz isto com um dos meus tentáculos de polvo. Os outros estavam ocupados a
escovar os dentes (sem ampulheta) e a ajudar a vestir camadas de roupa.
Resultado, o sms partiu como mms. Estava a abrir a garagem, quando recebo a
resposta: “Não consigo ler a tua mensagem, mas calculo que deva ser para avisares
que estás presa na neve. Eu também! Fica em casa e vemo-nos na segunda-feira.
Bom fim-de-semana!”. Agradeci com todas as minhas forças o equívoco ao deus dos
tradutores atrasados (expressão algo tautológica, mas enfim…).
Fui
levar o meu adorável atraso de vida à escola e, segundo ordens do chefe, voltei
para casa. D. Fuas esperava por mim à porta, de orelhas caídas. Ontem nevava
tanto, que não foi passear. Decidi aproveitar umas breves tréguas para irmos
dar uma volta rápida ao lago. Nevava de mansinho. Não se via vivalma. À minha
volta, um manto branco. Luz. Uma paz tão grande. E os nossos passos a desbravar
caminho na neve, com aquele barulho tão característico. Soube tão bem. Senti
aquela espécie de felicidade que o Zezé descrevia em O meu pé de laranja lima… um passarinho a cantar dentro do meu
peito. Às vezes, é mesmo preciso perdermos tempo para a felicidade acontecer.
Hoje estava mesmo a precisar de um post destes, obrigada :)
ResponderEliminarOra essa, por quem sois! :)
ResponderEliminar