(ou a coragem de persistir contra tudo, contra todos,
contra nós próprios)
Andar
no ballet não é fácil para o Vasco. Depois de um período inicial de indecisão,
nunca mais o ouvimos falar em desistir. Mas não é coisa que ele anuncie aos
sete ventos. Ou seja, mantém esta sua actividade secreta, mesmo para a família.
A
verdade é que os estereótipos ainda estão muito presentes na nossa sociedade.
As meninas andam no ballet e os rapazes no futebol. Claro que pode haver cruzamento de actividades, mas é apenas no caso de crianças
especialmente dotadas. Uma maria-rapaz craque na bola. Um menino que parece ter
nascido para dançar. E quando se trata de um miúdo menos dotado? Será que
alguém entende que um miúdo completamente descoordenado escolha uma actividade
que vai contra todos os clichés… e contra o seu próprio jeito natural? Será que
é assim tão bem visto um bicho-carpinteiro desastrado e desengonçado andar no
ballet?
O
Vasco é aquele tipo de miúdo que é incapaz de estar quieto. Quando passa, leva
tudo à frente. E atrás e nos lados. Está sempre a cair, mesmo parado.
É como se estivesse em perpétuo movimento, mesmo que aparentemente nem
sequer se esteja a mexer. É assim uma espécie de movimento interior que extravasa
quando menos se espera. O ballet obriga-o a contrariar tudo aquilo que
ele é intrinsecamente. Força-o a controlar o movimento, o corpo, o gesto. Por
isso, é tão complicado para ele dançar. Mas o Vasco gosta de desafios, adora
ser posto à prova. É um miúdo corajoso. E apesar do secretismo, tenho imenso
orgulho em ver que ele persiste numa actividade de que gosta, mesmo que seja tremendamente difícil. Mesmo que tenha recebido um boletim com notas
fracas, pela primeira vez na vida. Mesmo que tenha de dançar ao lado de meninas
que andam há três anos no ballet. Mesmo que tenha de ser corrigido e
de repetir vezes sem conta os exercícios. Mesmo que esteja cheio de medo
do espectáculo onde vai participar, no final do mês. Porque mais importante do
que aprender na perfeição os passos e as posições, é aprender a superar-se. E,
para isso, o Vasco tem imenso jeito.
Sigo o blog há uns tempos mas penso que ainda nunca comentei. Mas neste caso tenho que o fazer: parabéns pela coragem de ambos, mas sobretudo pela do Vasco. Se é certo que ainda há uma linha demasiado vincada entre hobbies de rapaz e de rapariga, uma rapariga transgredir essa linha é mesmo assim muito melhor tolerado do que o contrário (uma rapariga querer jogar futebol ou gostar de brincar com Monster Trucks não é tão mal visto como um rapaz gostar de princesas e brincar com bonecas). Força a deitar abaixo preconceitos e coragem na marimbação para o que os outros pensam/dizem :)
ResponderEliminarObrigada, D.S. Concordo contigo, é muito mais fácil uma rapariga ter gostos de rapaz, por assim dizer, do que o contrário. O Vasco passou por uma fase "princesas" quando tinha 3 anos. Eu nunca dei importância, mas houve reacções muito acesas à nossa volta. Inclusivamente por parte da família. E acho que isso foi mais complicado de gerir do que a paixão dele, que acabou por passar naturalmente. Do que tu me foste agora lembrar... :)
EliminarJá lhe mostraste o "Achas Que Sabes Dançar?" Passa na SIC aos domingos à noite :)
ResponderEliminarÉ pá... não tenho Sic! Felizmente, suponho... Aliás, praticamente não se vê televisão nesta casa. Ok, eu admito que nem sequer sei ligar a box e pôr a geringonça a trabalhar sem o Diogo! :)
ResponderEliminarParece-me uma escolha muito sensata, a do Vasco. No fundo, ele escolheu o ballet pela mesma razão porque eu escolhi a ginástica - para corrigir uma deficiente coordenação motora, que é muito chata para os outros, mas principalmente para o próprio. (Não havia ballet para rapazes no meu tempo - excepto para os geniais na Faculdade de Belas Artes... E, infelizmente, os esforços do meu professor do ensino primário para me "forçar a escrever com letra apresentável" não deram grande resultado e a ginástica não corrigia os "movimentos finos", nomeadamente manuais...).
ResponderEliminarNão se trata nada de ser uma coisa "feminina" ou "masculina"; trata-se de uma forma de correcção. Parabéns ao Vasco. Vê se consegues que isso também lhe ensine "atenção" (nomeadamente para não perder coisas - embora eu reconheça que a minha mãe se queixava do mesmo...).
Certo, pai. Mas não sei até que ponto ele tem consciência desses motivos. Ele dança, porque gosta.
ResponderEliminarQuanto à concentração, fica a cargo do Master Yoda... ;)
É claro que o Vasco não tem consciência disso. Mas a consciência está muito sobrevalorizada! O inconsciente usa uma "racionalidade intuitiva" que, no fim da história, é o mais importante de de ter, ou de adquirir.
ResponderEliminarIsso foi uma das coisas - e talvez a mais importante - que aprendi com a tua mãe...