(onde
sai contrariada e se volta reconciliada)
Ontem
saí de casa zangada com o mundo. A “minha” biblioteca vai finalmente mudar de localização
e queria acompanhar de perto esse processo. Mas o chefe decidiu que eu devia
assistir ao colóquio anual da Down Syndrome Association, juntamente com os
profissionais que trabalham na nossa associação. De modo que fiz-me ao caminho
às 5h da manhã. Contrariada e ensonada. De mal com a vida.
O
colóquio foi, de facto, interessantíssimo. E o chefe tinha razão, a minha
presença acabou por ser útil. Só precisei da tradução simultânea para assistir
às conferências em neerlandês e consegui ir apontando todas as referências
bibliográficas no original. No final, ainda falei com alguns conferencistas
para pedir mais informações, a pedido que alguns colegas. Espera-me muito
trabalho de tradução, mas ficámos com pistas novas sobre uma série de estudos
bastante promissores.
A
dada altura, um conferencista falava da boa-disposição tão característica das
pessoas com trissomia 21. Uma espécie de felicidade que irradiam à sua volta. E
explicou que essa felicidade estava directamente relacionada com o facto de se
sentirem satisfeitas consigo mesmas. Fiquei a remoer a ideia. Será que a
felicidade depende mesmo da nossa auto-satisfação? Nunca tinha pensado nisso.
Sempre achei que a felicidade era uma coisa muito subjectiva, demasiado difícil
de classificar. Mas isso explicaria porque há pessoas cuja felicidade depende do
sucesso profissional ou financeiro. Explicaria porque há pessoas que só estão
felizes em constante movimento, sempre à procura de novos desafios. Ou, pelo
contrário, a viver uma vida perfeitamente banal e rotineira, dedicada à família.
Se cada pessoa atribuir a sua satisfação pessoal a factores individuais e
únicos, é normal que a própria noção de felicidade seja indefinível. Por outro lado,
também explica a predominância de “estados de felicidade” sobre um tipo de
felicidade consensual, uno e eterno.
No
final do colóquio, ouvimos o testemunho de uma pessoa com síndroma de Down. Uma
mulher da minha idade, com uma lucidez tocante sobre a sua própria condição. Que
nos mostrou fotografias à medida que ia falando sobre a sua vida, com imenso
sentido de humor. Explicou-nos que em pequena tinha tido sérios problemas de
desenvolvimento, mesmo para uma criança com trissomia 21. Não tinha tido uma
infância fácil, mas os pais nunca desistiram. Aos dez anos começou a ser
seguida pelo Professor Feuerstein, em Israel, que defendia a ideia de que a
inteligência pode ser desenvolvida através da aprendizagem mediada. Um método exigente
que mudou a vida de Peetjie. Conseguiu concluir o ensino secundário numa escola
oficial. Escreveu um livro. Faz diversas actividades. Toca clarinete numa
banda. Conduz um carro motorizado. Disse: “Sou uma pessoa feliz. Tenho os meus
pais que sempre lutaram por mim, tenho o meu trabalho como auxiliar numa escola. Tenho a minha casa, onde vivo sozinha com o meu cão. Tenho uma amiga.” E
isto, para ela, era a felicidade. Não me parece que esta felicidade, que alguns
designariam de “simples”, se deva a um défice intelectual. Esta felicidade
deve-se ao facto de Peetjie saber que atingiu o máximo das suas potencialidades e de isso a deixar satisfeita consigo mesma.
Eu também não tenho competências nenhumas na matéria, os psicólogos e demais especialistas são os meus colegas. Quer dizer... acho que todos temos algum conhecimento prático no que toca à felicidade! ;)
ResponderEliminarPenso que o que essa pessoa com síndroma de Down quis dizer é que a felicidade consiste no aceitar o que se é e o que se pode ser. Nesta perspetiva, tem mais que ver com autoconhecimento do que com autossatisfação.
ResponderEliminarAcho que a auto-satisfação está sempre dependente do auto-conhecimento. Se não soubermos quem somos, nem o que queremos da vida, dificilmente nos sentiremos satisfeitos...
ResponderEliminarExiste recentemente uma corrente na psicologia chamada "psicologia positiva" (ver, p. ex.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia_positiva) que defende isso mesmo: que uma atitude positiva sobre a vida conduz a uma vida mais feliz e menos sujeita ao stress ou problemas psíquicos.
ResponderEliminarNo ISCSP foi recentemente criada uma "Plataforma para a Felicidade Pública" que ainda não percebi bem o que pretende ser (http://www.iscsp.utl.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1788:apresentacao-da-plataforma-para-a-felicidade-publica&catid=158:eventos&Itemid=401).
Mas tudo isto se relaciona com o "Índice de Felicidade Interna Bruta", criado no Butão, em alternativa ao PIB (ver aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Felicidade_Interna_Bruta e ali: http://www.felicidadeinternabruta.org.br/sobre.html ).
Num outro contexto, o meu amigo Juan Luis Walker, anda a fazer, no Chile, uma série de reuniões em Espaço Aberto com o tema "Sonhar o Chile" que ele divulga no FB e que vale a pena acompanhar: ver aqui: https://www.facebook.com/juanluiswalker?fref=ts e aqui https://www.facebook.com/centrointeligenciacolectiva?fref=ts. Isso também se relaciona com a felicidade como se reconhece aqui: http://www.relacionessaludables.cl/ps-juan-luis-walker/.
Li um artigo muito interessante sobre a psicologia positiva, mas já não sei onde o desencantei. A net é como as cerejas... :)
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