(e
esperar que germinem)
Há
cerca de um ano, o meu filho Diogo mudou. Não foi uma mudança que se fosse
anunciando aos poucos. Um dia, voltou de férias assim. Meio fútil. A dar demasiada
importância às aparências. À roupa de marca. Às iCoisas. Aos sinais exteriores
de riqueza, como dizia o irmão desdenhoso. A anunciar aos sete-ventos que agora
vivia na Lapa, o Bairro Fino de Lisboa. Assim mesmo, topónimo e epíteto
seguidos. A dissertar sobre gadgets de carros de luxo. A falar de lugares in. De gente-que-conhecia-gente-conhecida.
No
início, desvalorizámos. Achámos que aquilo acabaria por passar com o tempo.
Mas, aos poucos, o comportamento dele também começou a mudar. A nossa relação
passou por uma fase complicada. Tudo era alvo de críticas. Nós. As pessoas que
nós somos. O nosso quadro de vida. O país onde vivemos. Os emigrantes.
A
família tentava corrigir estas ideias com longas conversas. Chamava-o à razão,
mostrava-lhe outros pontos de vista. Mandava livros. O Diogo teimava. Começámos
a ficar preocupados. Eu comecei a ficar
preocupada. O meu amor entrou claramente em pânico. Quem era aquele miúdo? Muitas
vezes lhe fiz essa pergunta, meio a sério, meio a brincar: “Quem és tu e o que
fizeste ao meu filho?!”.
No
meio de tudo isto, tentávamos deslindar o novelo. Compreender o que se estava a
passar. Que parte se devia à entrada na adolescência? Que parte se devia ao
confronto natural com as figuras de referência? Que parte se devia a
influências externas nocivas?
Acabei
por desistir. Nisto de ser mãe, por vezes, é preciso desistir e saber esperar. Não
desisti do Diogo, obviamente. Mas deixei de entrar em confronto com ele.
Durante uns tempos, voltei a tratá-lo exactamente como quando tinha 2 anos e
entrou naquela fase típica da oposição. Escolhi muito bem as minhas batalhas e
só me bati por essas. Acabaram-se as longas conversas que não nos estavam a levar
a lado nenhum. Acabaram-se as discussões e o interminável esgrimir de
argumentos que nos deixavam exaustos e zangados. Havia coisas que eram como eu
dizia e ponto final. Quer ele quisesse, quer não quisesse. Não havia disputa
possível. Tudo o mais, era deixar andar. Ele que pensasse o que quisesse, que
dissesse o que lhe apetecesse, que fizesse como muito bem entendesse. Entre
mortos e feridos, alguém havia de escapar. O importante, naquele momento, era
sobreviver. Ultrapassar aquela fase menos boa. E rezar ao deus dos ateus para
que fosse breve.
O
meu amor não compreendeu esta minha decisão. Expliquei-lhe que a melhor pedagogia
é sempre o exemplo. É verdade que se trata de um método educativo penoso e
demorado. É preciso esperar anos pelos resultados. Que exige persistência. E doses
infinitas de paciência. Principalmente, é preciso ter fé. Acreditar que se
deitarmos sementes à terra, mais tarde ou mais cedo, elas acabarão por germinar.
E
assim fomos levando a nossa vida, tranquilamente. Uns dias, melhor… outros,
pior, como é evidente. Mas, regra geral, o ambiente em nossa casa melhorou bastante.
O meu amor não desistiu, inventou um método muito próprio que não interferia
com o meu. Nunca ralhou com o Diogo, nunca o corrigiu. Se tinha alguma coisa a
dizer, dizia-me a mim, em privado. Que me lembre, enervou-se apenas duas vezes,
porque achou que o Diogo me tinha mesmo faltado ao respeito. De resto,
esforçou-se por construir uma relação sólida com ele. Única, independente de
mim e do Vasco. Tenta ao máximo ouvi-lo, estar presente, conhecê-lo. Aos
fins-de-semana, vão jogar squash. Vão às compras sozinhos. Vêem filmes e séries
que eu não gosto. Iniciaram o projecto do home cinema no sótão, de que
falei aqui. Agora, com a chegada da Primavera, decidiram atacar o quintal.
Cortam sebes, fazem vedações, recuperam a casa dos arrumos, constroem um
galinheiro. O Diogo passa o dia na rua, como uma sombra, a segui-lo. Nunca
pensei ver este meu filho de ferramenta na mão a trabalhar no duro. A fazer
coisas sozinho, como gente grande.
Aos poucos, o Diogo começou a mudar. Voltou a ser o miúdo que sempre foi, mas
com outra consciência das coisas. Às vezes, surpreende-nos com rasgos de
lucidez. Faz comentários inteligentes, que reflectem uma visão mais madura.
Ri-se imenso. É extremamente afectuoso. Vê-se que tem orgulho em nós, gosta de
trazer cá os colegas. No outro dia, fez um amigo novo e disse que tinha “uma
mentalidade como a nossa”. Trata o Vasco com uma meiguice de irmão mais velho
que não lhe conhecia. Com uma certa distância. Voltou a interessar-se pelos
animais e gosta de treiná-los. Está sempre disponível para nos ajudar no que
for preciso. Muitas vezes, já toma a iniciativa sem sequer precisarmos de lhe pedir.
Não tem medo de arregaçar as mangas. Já percebeu que as coisas feitas pelas
nossas próprias mãos têm outro valor.
Este
fim-de-semana, andámos a tratar do quintal e espalhámos terra pela casa fora. O
Diogo varreu tudo sozinho, no Domingo à tarde. Ouvi-o pedir ao irmão para ter
cuidado e tirar os sapatos antes de entrar em casa. Disse que tínhamos de
arranjar uma caixa para pôr os sapatos na sala de jantar, junto à porta do
quintal. “Não te preocupes, Vasquinho. O mano vai ver se arranja alguma coisa
em segunda mão, que possamos recuperar. Ou, então, vai fazer uma.”
A
Primavera, por aqui, já começou. As sementes que plantámos e que germinaram
meses a fio, durante as estações passadas, começaram finalmente a nascer.
Às vezes inibo-me de comentar estes posts porque não quero parecer uma admiradora histérica ou uma comentadora patrocinada :D Mas a verdade, verdadinha, é que acho que és imensamente sábia e estou a tomar nota disto tudo para quando os meus chegarem lá, onde os teus vão sempre uns anos adiante. Boa colheita :)
ResponderEliminarE eu idem!
EliminarLOL, Gralha! Eu também era grande admiradora de uma pessoa que escrevia umas coisas que me deixavam sempre a pensar, mas depois ela fechou o estaminé... ;)
ResponderEliminarNem quero imaginar o dia em que os meus filhos chegarão a isso... acho que eventualmente usarei a mesma abordagem que tu usaste, porque sou apologista disso mesmo: de que há assuntos em que a última palavra é minha (e do pai) e que os nossos filhos aprendem pelo exemplo e no longo prazo aprenderão a valorizar-nos, mesmo que nos desdenhem por uns tempos...
ResponderEliminarÉ que infelizmente eu tenho os meus diários de adolescente e às vezes folheio o que escrevi nessa altura e sabes o que descubro? Que eu fui uma adolescente muito parvinha e fiz a vidinha bem negra aos meus pais, na pior altura da vida deles os dois... e só me apetece voltar aos meus 15 anos e dar-me uns valentes tabefes, para ganhar juízo!
Ainda bem que já não tenho os meus diários, Naná! A soma "adolescente + parvinha" é uma evidência, não é? :)
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